Antes que se escrevesse, já se contava. Havia o gesto, o fogo, a roda. E então, a palavra. E a palavra precisou de abrigo — nasceu o livro. O livro, como o conhecemos, não é apenas objeto: é uma permanência da delicadeza num mundo apressado. É também corpo, memória, vigília.
No Dia Mundial do Livro nos lembramos de um pacto invisível entre quem escreve e quem acolhe. E é nesse espaço entre um e outro que mora a beleza da literatura. O livro não exige pressa, tampouco espetáculo. Ele se oferece inteiro, mas sem se impor. Espera o tempo do leitor — e o respeita.
Não se ama um livro por ser útil. Ama-se porque ele nos devolve perguntas. Porque em meio ao caos da existência, nos oferece uma pausa que não paralisa — uma pausa que expande. Um livro bem lido nunca acaba; passa a habitar quem o leu.
Sou escritor, sim. Mas antes, sou leitor. Aprendi a ouvir o som das entrelinhas. Que há dores que só um parágrafo sabe nomear. E há alegrias tão pequenas que só cabem num poema. Já chorei em silêncio com um romance antigo, já me salvei com um conto lido no ônibus. Leitura não é passatempo. É permanência.
E é por isso que não basta incentivar a leitura com campanhas vazias ou bibliotecas de cimento. É preciso desejar leitores como se deseja árvores: com raiz, tempo e sombra. O livro não floresce num solo árido de sensibilidade. Ele precisa de humanidade ao redor. Precisa de políticas públicas, sim, mas também de escuta em casa, de voz nas escolas, de amor na infância.
Quem já viu os olhos de uma criança se acendendo diante de um livro entende do que falo. Não é alfabetização — é encantamento. Não é conteúdo — é mundo. E o mundo, esse mundo mesmo, só muda quando muda o modo de narrá-lo.
Hoje, mais do que nunca, o livro é resistência. Em tempos de gritos digitais e conteúdos piscantes em 15 segundos em uma tela próxima aos olhos, ele insiste no detalhe, no devaneio, na nuance. Insiste em dizer que o ser humano ultrapassa manchetes, vai além da estatística, e não se nomina em um perfil online.
Cada vez que alguém abre um livro, algo se reinaugura no tempo. É como acender uma vela dentro de si. Pequena, talvez. Mas suficiente para não perder o caminho.
E talvez seja isso o que o livro mais nos ensine: a não nos perdermos. Mesmo quando tudo o mais tenta nos dispersar.
Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. Especialista em Musicoterapia e Vibroacústica. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.