Foto: Reprodução

Mino Carta, o último dos grandes

É preciso voltar no tempo para entender Mino Carta. Voltar às redações esfumaçadas dos anos 60, às máquinas de escrever que eram armas, às conversas altas em botequins onde se tramava não só a pauta do dia seguinte, mas a reinvenção da imprensa brasileira. Mino estava lá, de mangas arregaçadas, os olhos sempre mais rápidos que as mãos, já imaginando a página que ninguém ousara imaginar.

Foi ele quem mostrou que uma revista podia ter nervo, ser um organismo vivo, não apenas um encadernado de notícias. Quatro Rodas, Veja, IstoÉ, Jornal da Tarde, CartaCapital, em cada uma dessas criações, Mino deixava pairar uma obsessão estética absurda, sempre manteve sua crença inquebrantável na inteligência do leitor.

Se Mino não tivesse existido, o jornalismo brasileiro teria sido mais pobre, mais domesticado. Foi ele quem ensinou que a diagramação podia ser uma forma de pensamento, que a capa deve ser um grito e que a reportagem não se ajoelha diante do poder. Para ele; liberdade, palavra tão maltratada, só existe quando alguém se dispõe a pagá-la com a própria vida.

Morreu aos 91 anos, mas Mino sempre pareceu mais velho e mais novo que a própria idade. Mais velho, porque carregava a gravidade dos mestres italianos que conhecia de memória; mais novo, porque nunca se cansava de provocar, de inventar, de irritar os medíocres. No fim, jamais envelheceu.

Havia quem o acusasse de intransigente. Era. Temperamental. Também era. Mas quem o conheceu de verdade sabia: tudo isso nascia da mesma fonte, a paixão pela palavra impressa. Poucos homens viveram tanto tempo em função do ofício, como se cada manhã fosse a primeira de uma redação que não pode parar.

E Mino nunca parou. Escreveu livros de memórias e de filosofia pessoal — O Castelo de Âmbar, A Sombra do Silêncio, A Vida de Mat. Mas sua grande autobiografia está espalhada em milhares de páginas, nas revistas que fundou, nos editoriais que incendiaram debates, nos jovens jornalistas que formou sem piedade. Nunca quis ser simpático. Quis ser necessário. E foi.

Agora, ao nos despedirmos, resta imaginar a redação que o recebe, talvez um andar inteiro no céu, cheio de linotipos e deadlines, onde Mino chega ajustando os óculos e perguntando: “Quem está no poder aqui? Porque já é hora de bater de frente”.

O jornalismo brasileiro deve a ele não só páginas memoráveis, mas a coragem de ser maior do que os donos, do que os governos, do que o medo dos regimes autoritários e dos milicianos deste tempo vil. E se hoje tantos jornalistas ainda acreditam que escrever é um ato de resistência, é porque um dia houve um editor genovês que acreditou primeiro.

Obrigado, Mino.

Fabrício Correia é escritor, jornalista e professor universitário

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