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Leão XIV: matrimônio, comunhão e a verdadeira fé

As palavras recentes do papa Leão XIV; “o casamento é para homem e mulher” não podem ser vistas como um enfrentamento ou um retrocesso, apenas recolocam em evidência uma tradição sólida da Igreja Católica, que desde as origens entende o matrimônio como sacramento. Um sinal visível da graça, expressão do amor fiel entre homem e mulher, aberto à vida e à eternidade. Trata-se de uma definição religiosa, que brota das Escrituras e é reafirmada pela teologia, de Santo Agostinho a Tomás de Aquino, até o Concílio Vaticano II. É, portanto, a identidade da fé católica em sua forma mais profunda.

Contudo, reconhecer isso não significa diminuir ou excluir outras formas de união, de afeto ou de família. A sociedade contemporânea é plural, formada por diferentes histórias, origens, convicções e expressões de amor. Famílias homoafetivas, lares reconstruídos, uniões livres em diferentes tradições espirituais ou humanistas, todos estes caminhos possuem sua dignidade intrínseca, pois se fundamentam no respeito, no cuidado e no amor. A fé cristã não está chamada a negar tais realidades, mas a afirmar, a partir de seu lugar específico, a beleza de sua própria visão.

Leão XIV foi claro: “todos, todos, todos são bem-vindos”. O que se afirma, portanto, não é uma exclusão, mas uma distinção dogmática. A Igreja proclama o matrimônio sacramental como união entre homem e mulher, mas ao mesmo tempo recorda que todos os filhos e filhas de Deus são chamados à comunhão. A doutrina não pode ser muro, mas raiz; e a comunhão não é concessão, mas horizonte.

A liberdade de credo deve ser respeitada: a Igreja tem o direito de guardar sua fé, assim como cada comunidade humana tem o direito de viver seus afetos e suas escolhas. O respeito mútuo é a chave que impede que a fé se transforme em imposição, ou que a liberdade se converta em intolerância.

Teologicamente, a unidade do gênero humano é vocação última. “Que todos sejam um” (Jo 17,21) é a oração primaz de Cristo. E é nesse chamado que se encontra o equilíbrio: a Igreja mantém sua identidade, mas não nega a dignidade das outras formas de viver; o mundo plural preserva sua liberdade, mas não deve silenciar a voz da fé.

Ao final, o que emerge é um convite: que a verdade seja proclamada com firmeza e que a caridade seja vivida sem limites. Que a doutrina seja respeitada em sua identidade, e que cada vida seja respeitada em sua dignidade. O matrimônio sacramental continuará sendo sinal de amor para os católicos, e as demais expressões de afeto devem florescer em liberdade e cuidado. Esse é o mundo ideal.

Pois, se o matrimônio é raiz da tradição, a comunhão é sua aclamação. E nessa comunhão; onde não há mais judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher (cf. Gl 3,28) todos nos reconhecemos como irmãos.

Eis o chamado do nosso tempo: que a verdade da fé nunca se converta em exclusão, e que a dignidade de cada vida seja sempre motivo de aplauso.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador com ênfase nos estudos sobre religiões e professor universitário com especialização em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. É membro da União Brasileira de Escritores.

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