Foto: Reprodução

Bom dia, Giba!

Nelson Wilians nunca quis ser apenas advogado; buscou encenar a si mesmo como personagem de poder. Sua biografia não se limita às vitórias jurídicas, mas se estende às redes sociais e à imagem cuidadosamente lapidada, carros milionários, relógios exclusivos e fragrâncias que o estampem na “Forbes”: ostenta 1,5 milhão de seguidores e transformou até seu motorista, Giba Cadari, em um fenômeno digital com mais de meio milhão de fãs.

Não é só um homem de negócios; mas o diretor cinematográfico de uma narrativa em que até a rotina se convertia em extraordinário. Cada detalhe, até hoje, foi calculado para ampliar não apenas a competência profissional, mas a aura de alguém que fazia do êxito um espetáculo permanente.

Agora, esse espetáculo encontra uma contradição. Diante da CPMI do INSS, que aprovou a quebra de seus sigilos e pediu sua prisão preventiva, o silêncio de Wilians se converteu em performance involuntária: a encenação do privilégio. Num país em que milhões de cidadãos precisam comprovar até a exaustão cada direito no balcão do INSS, a recusa do advogado dourado em falar não soou apenas como estratégia jurídica, mas como gesto de distinção, a marca de quem pode escolher a omissão como defesa.

O Brasil, historicamente, reage mal ao luxo exposto. Dos baús da corte portuguesa desembarcando em ruas de terra aos barões do café que construíram palacetes vizinhos às senzalas libertas, a exibição de fortuna sempre carregou o peso da afronta. Wilians se inseriu nessa tradição: escritórios monumentais, vitórias transformadas em símbolos de status, convivência íntima com empresários e políticos. Mas a abundância, em um país de desigualdade crônica, nunca é neutra: provoca, divide, inflama.

Montesquieu descreveu a lei deformada como teia de aranha; capaz de prender os frágeis, mas deixar escapar os fortes. A figura de Wilians expõe essa máxima. Não é apenas a trajetória de um advogado sob investigação, mas a prova de que o sistema jurídico pode se mostrar flexível para alguns e implacável para tantos outros.

A CPMI, ao avançar sobre ele com medidas duras, não parece agir apenas para investigar delitos. Busca responder a um clamor social contra a ostentação que se confunde com imunidade, no caso restrita aos políticos de colarinho engomado. O gesto: mostrar que o espetáculo da riqueza não pode se converter em salvo-conduto.

Seja qual for o desfecho processual, Wilians já sofreu uma condenação pública. Não pela culpa que a Justiça ainda precisa apurar, e que parece próxima demais, mas pela imagem que cultivou. Ao transformar sua vida em vitrine, tornou a própria vitrine prova contra si. Ao insistir no brilho, acabou revelando o mecanismo oculto de sua queda: a crença de que a lei sempre se dobraria diante do poder da aparência.

Fica, para a sociedade, a pergunta incômoda: se ele cai por exibir-se demais, quantos outros, discretos e igualmente privilegiados, permanecem fora do alcance? Talvez essa seja a lição mais amarga: no Brasil, a desigualdade não é falha do sistema, mas engrenagem que o sustenta. E a lei, tantas vezes, deixa de ser muralha de proteção para servir como passarela por onde poucos desfilam com segurança.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador e professor univerisitário. Autor da tese acadêmica, “Os Suplentes do Paraíso” conhece bem as estruturas da Casa Alta da República. É membro da União Brasileira de Escritores e presidiu a Academia Joseense de Letras.

 

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