Foto: Reprodução

José Luiz Penna; quase oitenta, sempre verde

Quase oitenta anos de vida, no caso de José Luiz de França Penna, cada década é um capítulo da história cultural e política do Brasil. De Natal a Salvador, de Salvador a São Paulo, dos palcos do teatro à fundação de um partido, da boemia roqueira à liderança da maior federação progressista do país, percorreu caminhos que se confundem com a própria luta por democracia, cultura e dignidade.

Penna nasceu em 1945, na véspera de um país que respirava o fim da guerra e sonhava com futuro. Ainda jovem, em Salvador, escolheu a música como linguagem e a política como destino. Tocava bateria em bandas de rock, compunha com amigos, mas também se filiava ao Partido Comunista. Logo entendeu que não havia fronteira entre palco e rua. No teatro, foi parte de montagens que ficaram na memória; “Arena Conta Zumbi”, de Guarnieri e Boal, e “Hair”, em que a liberdade era encenada como desafio à ditadura. Preso em Belo Horizonte junto com o elenco, descobriu que até o confronto podia virar jogo: um time de atores contra os agentes do DOPS, a irreverência enfrentando a repressão.

Na música, suas canções ressoam. Ao lado de Belchior, compôs “Comentário a Respeito de John”, que se tornou manifesto de uma geração. Com Tiago Araripe e Paulinho Costa, fundou o Papa Poluição, banda que já falava de ecologia quando o Brasil ainda via o tema como excentricidade de “bichos grilo”. No cinema, colaborou com o irmão Hermano Penna, assinando trilhas de filmes como “Sargento Getúlio”, em que a música traduzia o drama do sertão.

Mas Penna sempre foi mais do que artista: foi inventor de espaços coletivos. Criou o Centro Cultural Vila Madalena, que deu origem à Feira da Vila, transformando o bairro em sinônimo de cultura. Foi um dos articuladores do Parque Villa-Lobos, prova viva de que política pode se traduzir em floresta. Poucos têm o direito de dizer que deixaram para a cidade um pedaço de mata atlântica plantado em meio ao concreto. Penna é um deles.

Nos anos 70, aproximou-se dos povos indígenas, fundou a Comissão Pró-Índio de São Paulo, abraçou a causa quilombola. Dessa sensibilidade nasceu, nos anos 80, o Partido Verde. Penna ajudou a dar corpo a uma legenda que nasceu diferente, nunca uma sigla: mas uma proposta de país. Sustentabilidade, diversidade cultural, direitos humanos, democracia participativa. Enquanto muitos ainda falavam em desenvolvimento como sinônimo de destruição, ele insistia que progresso só vale se for para todos, se não deixar a terra estéril.

Desde 1999, Penna preside o Partido Verde. Viu governos subirem e caírem, alianças se desfazerem, o oportunismo dominar a cena. Mas nunca deixou de carregar a mesma bandeira: a casa comum. Estava à frente quando o PV ajudou a colocar Marina Silva no centro da política nacional. Estava firme quando o partido foi reduzido a margens. E está presente agora, como presidente da Federação Brasil da Esperança (FE Brasil), articulando PT, PCdoB e PV em um pacto histórico. E olha que nem citei que foi vereador na capital paulista, assumiu duas vezes uma cadeira na Câmara dos Deputados e foi secretário de estado da Cultura.

Quase aos oitenta, Penna segue inteiro. Seu percurso mostra que coerência é possível mesmo na política brasileira. Ele não precisou reinventar-se a cada eleição, não precisou abandonar as causas para sobreviver. Permaneceu fiel a uma ideia simples e radical: a vida é indivisível. Não há democracia sem natureza, não há futuro sem cultura, não há dignidade sem diversidade.

Celebrar José Luiz Penna é celebrar essa coerência rara. É reconhecer que, desde os palcos dos anos 60 até as mesas de negociação de 2025, ele carregou a mesma convicção: que política também é arte, que cultura também é resistência, que ecologia também é justiça social.

Quase oitenta anos. E ainda assim, a impressão é de que Penna nunca envelheceu. Seu discurso permanece fresco, sua visão atualíssima, seu exemplo permanece necessário. No tempo das urgências climáticas, do ódio digital e das democracias ameaçadas, sua vida nos lembra que ser verde não é moda: é vocação.

José Luiz Penna chega ao limiar dos oitenta como poucos chegam: inteiro, coerente, verde. Guardião da casa comum, artista da política, político da arte. Um homem que nunca se cansou de plantar, sabendo que só colhe quem semeia.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, produtor cultural. Foi filiado ao Partido Verde por duas décadas.

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