Foto: Reprodução

Bolsonaro: sob a regra, não sob rancor

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, decretada após sucessivas violações das medidas cautelares e diante de indícios concretos de que havia uma tentativa real de escapar ao alcance da lei, não nasce do ressentimento de grupos feridos, nem da vontade secreta de punir um adversário político, mas da exigência simples e inegociável de que o processo democrático continue a existir com liberdade, integridade e ordem, algo que só se torna possível quando o investigado, seja ele quem for, respeita as instituições que garantem a todos. inclusive a ele, um julgamento justo.

O Brasil atravessou, nos últimos anos, uma sequência de perdas que se acumulam como um país inteiro à beira do colapso emocional, perdas que alcançaram mais de setecentas mil famílias, cada qual com seu luto suspenso, seu silêncio prolongado, sua sensação de abandono diante de uma condução da pandemia que, em muitos momentos, pareceu ignorar o sofrimento mais básico; e esse trauma coletivo não desaparece, não se dilui, não se torna menos profundo apenas porque o tempo avançou, ele continua ali, como uma sombra moral que acompanha o país, e é natural que muitos enxerguem na prisão de hoje uma espécie de resposta ao passado, um ajuste tardio das contas que ficaram abertas.

Mas é justamente aqui que a conciliação se faz necessária, porque reduzir o cumprimento da lei a um ato de vingança seria trair o próprio sentido de justiça que o país tanto reclamou nos anos mais sombrios; vingança é pessoal, nasce da ira, se alimenta do desejo de ver o outro sofrer, enquanto justiça é impessoal, nasce da necessidade de preservar o Estado como espaço seguro para todos, e é dentro dessa distinção que a decisão se insere, porque a prisão preventiva não encerra o julgamento, não determina culpados, não condena pela pandemia ou pela tentativa de ruptura democrática, ela apenas impede que o processo seja manipulado por quem demonstrou disposição para fugir dele.

A decisão do Supremo restabelece algo que parecia perdido: a certeza de que a lei não distingue biografias, preferências partidárias, popularidade ou poder acumulado, a lei apenas se cumpre, e o fato de que um ex-presidente tenha sido alcançado por ela não representa a queda de um inimigo, mas o amadurecimento de um país que, depois de décadas de impunidade, entende que a democracia se fragiliza sempre que alguém acredita que está acima do dever de responder pelos próprios atos.

Este não é um momento para euforia, nem para revanche, nem para discursos inflamados. É um momento para reconhecer que as instituições funcionaram, que a cautelar foi aplicada com base técnica e que a proteção do processo e não o castigo simbólico foi a única razão da medida. E, ao perceber isso, o país pode finalmente dar um passo importante rumo a uma pacificação possível, não aquela que apaga as responsabilidades, mas aquela que aceita que uma sociedade só se reergue quando seus mecanismos de controle se mostram capazes de funcionar com rigor, sem ódio, sem humilhação, sem triunfalismo.

O que se cumpre agora não é a vontade de um lado contra o outro, mas a afirmação de que ninguém escapa ao alcance da lei, e essa afirmação, tão simples e tão raramente praticada, é o que permite que um país volte a acreditar em si mesmo. Justiça não humilha; sustenta. E, quando ela se impõe com serenidade, mesmo sobre quem tentou driblá-la, algo se rearruma silenciosamente no coração do Brasil, como se, enfim, tivéssemos aprendido que democracia não é vingança disfarçada, mas responsabilidade compartilhada, inclusive pelos que erraram.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador e professor universitário.

WhatsApp
Facebook
Twitter