Foto: Agência Brasil

A desfaçatez do PT e a realidade venezuelana

A declaração do Presidente Lula sobre as eleições na Venezuela, reconhecendo o resultado, sugerindo que a resolução das disputas eleitorais está na simples apresentação das atas, causa, no mínimo, uma profunda inquietação. Essa postura revela uma desfaçatez do Partido dos Trabalhadores (PT), ignorando uma realidade complexa e dolorosa enfrentada pelo povo venezuelano.

Nos últimos anos, a Venezuela tem sido palco de uma crise política e econômica devastadora. Hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos, e uma migração em massa são apenas alguns dos sintomas de um governo autoritário que, sob o comando de Nicolás Maduro, reprime a oposição e controla a mídia com mão de ferro.

O governo de Maduro tem usado repetidamente de práticas antidemocráticas, incluindo a manipulação de resultados eleitorais e a intimidação de opositores. Em um ambiente onde a liberdade de expressão é suprimida e os direitos humanos são violados, a ideia de que uma simples apresentação de atas possa resolver as disputas eleitorais parece, no mínimo, ingênua, e sabemos que é dissimulada por parte do presidente da República, que já sofreu o cárcere da privação das liberdades.

Em dezembro de 2020, as eleições legislativas na Venezuela foram marcadas por uma série de irregularidades. A oposição boicotou o pleito, e a comunidade internacional, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, não reconheceu os resultados. As eleições foram descritas como uma farsa, onde o governo garantiu sua vitória manipulando o sistema eleitoral e silenciando qualquer voz dissidente.

Afirmar que as atas eleitorais são suficientes para resolver a questão ignora os relatos de fraude e a falta de transparência que cercam o processo eleitoral venezuelano. É uma simplificação perigosa de uma situação muito mais complexa e que exige uma abordagem mais robusta e comprometida com a democracia e os direitos humanos.

O apoio de Lula ao processo eleitoral na Venezuela deve ser interpretado como uma aliança política que desconsidera os princípios democráticos. O PT, ao longo de sua história, tem se posicionado como um defensor dos direitos dos oprimidos e das liberdades democráticas. No entanto, ao apoiar um regime que claramente viola esses princípios, o partido coloca em dúvida sua própria credibilidade e compromete sua imagem internacional.

Os relatos de perseguição política na Venezuela são numerosos. Líderes da oposição, jornalistas e ativistas de direitos humanos enfrentam intimidação, prisão arbitrária e até mesmo tortura. A liberdade de imprensa é praticamente inexistente, com meios de comunicação independentes sendo fechados ou censurados. Em um ambiente tão hostil, a ideia de que qualquer eleição possa ser livre e justa é absurda.

Além disso, a crise econômica e humanitária na Venezuela é alarmante. Milhões de venezuelanos fugiram do país em busca de melhores condições de vida, criando uma crise migratória sem precedentes na América Latina. Aqueles que permanecem enfrentam uma luta diária pela sobrevivência, com escassez de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais. A infraestrutura do país está em ruínas, e a qualidade de vida caiu drasticamente.

Em um contexto tão desolador, é irresponsável e insensível minimizar as denúncias de irregularidades eleitorais com a apresentação de atas. É fundamental que a comunidade internacional, incluindo líderes como Lula, pressione por eleições verdadeiramente livres e justas na Venezuela. Isso significa garantir que todos os partidos políticos tenham igualdade de condições para competir, que a imprensa seja livre para reportar sem medo de represálias e que os direitos humanos sejam respeitados.

A posição de Lula também ignora os esforços de diversos organismos internacionais e grupos de direitos humanos que têm trabalhado incansavelmente para destacar as violações cometidas pelo regime de Maduro. Essas organizações têm documentado extensivamente os abusos de direitos humanos, a corrupção endêmica e a degradação das instituições democráticas na Venezuela.

Ao desconsiderar essas evidências e tratar as eleições venezuelanas com leviandade, Lula corre o risco de se alienar de aliados internacionais que têm sido críticos do regime de Maduro. Essa postura pode ter repercussões diplomáticas, afetando a credibilidade do Brasil como um defensor dos direitos humanos e da democracia na região.

A desfaçatez do PT ao apoiar o regime venezuelano é ainda mais evidente quando consideramos o histórico do partido na luta por democracia e justiça social no Brasil. O PT nasceu das lutas populares contra a ditadura militar e sempre se posicionou como um defensor dos direitos dos trabalhadores e das liberdades civis. No entanto, ao se alinhar com um governo autoritário como o de Maduro, o partido trai seus próprios princípios fundadores.

Não se pode esquecer que a situação na Venezuela não é apenas uma questão política; é uma questão humanitária. Milhares de vidas foram afetadas pela crise e continuam a sofrer diariamente. Apoiar um regime que é responsável por essa situação é, no mínimo, insensível.

O apoio de Lula a Maduro também deve ser visto à luz dos interesses geopolíticos. A Venezuela, rica em recursos naturais como o petróleo, tem sido um aliado estratégico para diversos governos na América Latina. No entanto, apoiar um regime autoritário por questões de interesse econômico ou político não justifica a violação dos direitos humanos e a erosão das liberdades democráticas.

Em um momento em que a democracia está sendo testada em várias partes do mundo, é crucial que líderes como Lula se posicionem firmemente em defesa dos valores democráticos. Isso inclui condenar governos que reprimem a oposição, manipulam eleições e violam os direitos humanos. A história nos mostra que a defesa da democracia não é apenas uma questão de princípios, mas uma necessidade para garantir a paz e a estabilidade a longo prazo. O apoio a regimes autoritários pode trazer ganhos a curto prazo, mas a longo prazo, mina a confiança nas instituições democráticas e enfraquece a luta global pelos direitos humanos.

É essencial que o Brasil, como uma das maiores democracias da América Latina, use sua influência para promover a democracia e os direitos humanos na região. Isso significa apoiar a oposição democrática na Venezuela, pressionar por eleições livres e justas, e condenar publicamente as violações de direitos humanos cometidas pelo governo de Maduro.

Fabrício Correia é CEO da Kocmoc New Future responsável pela agência “Conversa de Bastidores”.

WhatsApp
Facebook
Twitter