O bolsonarismo nunca foi um projeto político. Foi, desde sempre, um ressentimento performático. Uma mise-en-scène para a fúria desinformada, onde os “patriotas” celebram as próprias chagas como medalhas de guerra. E agora, enquanto Donald Trump impõe ao Brasil uma tarifa brutal de 50% sobre todos os nossos produtos exportados — em explícita retaliação política —, Jair Bolsonaro e seus aliados soltam fogos. Comemoram. Sim, comemoram.
Mas o que, exatamente, está sendo celebrado?
Não é a soberania nacional, que está sendo atropelada por uma carta diplomática que acusa o Brasil de censura, ameaça empresas estrangeiras, ataca o Supremo Tribunal Federal e desmoraliza a democracia brasileira em rede global. Também não é o agronegócio, que verá seu lucro despencar com a nova tarifa. Tampouco é o trabalhador da indústria de base, do aço, do alimento processado, que perderá competitividade no maior mercado do mundo. Não é, de forma alguma, o país. É o ego. É o culto ao homem caído. É a fome de vingança.
O que Bolsonaro celebra é a própria vitimização. É a inversão moral, tão cara ao bolsonarismo, que transforma o réu em mártir e o ataque externo em uma espécie de confirmação messiânica. Trump — um magnata racista, misógino, condenado, golpista e em eterna campanha — tornou-se o oráculo de uma seita que prefere a ruína do Brasil à sua transformação. Sua carta, em defesa de Bolsonaro, é um libelo de desinformação. Uma peça de campanha política antecipada disfarçada de diplomacia. E Bolsonaro — apeado do poder, proibido de se eleger, acuado pela Justiça — vê nesse gesto uma ressurreição simbólica. Uma unção internacional.
É a antropofagia dos idiotas.
No século XX, a Semana de Arte Moderna propunha devorar a cultura europeia para criar uma arte brasileira, genuína, livre. Cem anos depois, os novos canibais devoram a própria pátria em nome de um mito que odeia o Brasil real: plural, diverso, democrático. Mastigam a Constituição, escarram no Supremo, sabotam o governo legitimamente eleito. Celebram a asfixia econômica do país como um troféu contra o inimigo interno — que é sempre um professor, um artista, um juiz, um jornalista, uma mulher negra no poder.
Trump e Bolsonaro representam o colapso ético da política transformado em espetáculo. São produtos de uma era onde a verdade foi substituída pela narrativa e o fracasso se disfarça de glória. Ambos são líderes de seitas — não de nações. Seus seguidores não precisam de provas, só de frases de efeito. Não querem governabilidade, querem vingança.
E o Brasil? O Brasil, que lutou por décadas para conquistar respeito nas cadeias globais, abrindo mercados, que construiu pontes entre o Sul e o Norte, que negociou com pragmatismo e dignidade — esse Brasil está sendo jogado no lixo por uma vingança de palanque.
A história saberá distinguir os verdadeiros patriotas dos sabujos. Saberá que quando Trump nos atacou, o bolsonarismo aplaudiu de pé. Nossa economia está sendo rifada em nome de uma revanche imaginária.
E talvez seja este o epitáfio definitivo: Bolsonaro comemora a derrota nacional porque sua vitória sempre foi a nossa falência. Ele nunca quis governar o Brasil. Quis apenas vencê-lo. E venceu. Por um tempo. Porque agora, finalmente, estamos acordando.
E a farsa vai cair.
Fabrício Correia é historiador, licenciado em geografia, escritor, jornalista e professor universitário. Escreve todos os dias para a agência de notícias Conversa de Bastidores.