Foto: Arte digital

Anistia Não: A dor que funda o Brasil que queremos

Não é espetáculo.
Não é revanche.
Não é um acerto de contas entre ideologias ou partidos.

O julgamento dos responsáveis pelos atos de 8 de janeiro de 2023 é, acima de tudo, um marco. O mais importante julgamento desde a redemocratização — porque não julga apenas os réus, mas a própria república. É o momento inaugural de um país que, pela primeira vez, talvez, começa a se levar a sério.

Esse processo não se move por ódio. Move-se por fé.
Fé no Direito. Fé na Constituição. Fé na possibilidade de fundar um país justo sobre a rocha firme da civilização e não mais sobre a areia movediça do esquecimento.

Como historiador, sei o quanto o Brasil se acostumou com a anistia como caminho fácil.
Como cristão, sei que a misericórdia não se opõe à justiça — ela nasce dela.
Como pai, vejo os olhos dos meus filhos e me pergunto que país estou deixando.

E a resposta, embora dolorosa, é clara: um país precisa punir para não repetir.
Não por prazer, mas por dever.
Não por vingança, mas por princípio.
Não por poder, mas por responsabilidade.

A dor existe, sim.
A dor das famílias despedaçadas, das mães que choram seus filhos, dos pais e mães de família que foram seduzidos por um chamado fraudulento, por um discurso que se dizia patriótico, mas flertava com o abismo. Mas não sejamos ingênuos: essa dor, hoje, tem sido explorada pelos que não aceitam a justiça.

É o outro lado que a usa.
É o outro lado que transforma os encarcerados em escudos humanos contra a lei.
É o outro lado que se veste de compaixão para, na verdade, deslegitimar o Judiciário.

São eles que mentem. Que falam em perseguição para esconder o crime.
São eles que atacam o ministro Alexandre de Moraes e o STF como se atacar os julgadores fosse mais eficaz do que assumir o erro.
São eles que se escondem atrás de símbolos religiosos enquanto atentam contra tudo o que o Evangelho defende: a paz, o respeito à verdade, o cuidado com o outro.

A maior dissimulação deste tempo não é a dos réus, pois até acredito que alguns ainda não saibam a gravidade de seus próprios atos. É a dos seus defensores cínicos.
Os que os jogaram nos braços da mentira agora se dizem solidários.
Os que incendiaram os palácios agora acendem velas por quem está preso.
Mas não lamentam as vítimas.
Não lamentam a tentativa de golpe.
Não lamentam a destruição do bem público.

Querem apenas atacar o Estado de Direito.
Querem fazer da dor uma arma política.
Querem que a Justiça se cale por piedade seletiva.

Mas a justiça, se quer ser justa, precisa resistir.
Porque o julgamento do 8 de janeiro não é sobre ressentimento.
É sobre maturidade.

Os que foram às ruas achando que estavam salvando o Brasil estavam, na verdade, sendo usados.
Foram enganados.
Manipulados.
Arrastados para um script planejado por quem jamais sujaria as mãos — mas envenenou consciências com lives, vídeos e uma retórica de guerra.

E quem liderou tudo isso?
Jair Messias Bolsonaro.
Mesmo fora da presidência, ele está presente em cada sentença.
Não há remorso em sua fala.
Não há compaixão por ninguém.
Não pediu perdão. Não assumiu erros.
E mais do que isso: continua espalhando desconfiança, rindo do caos que deixou.

Sua omissão não é tática. É teológica: ele crê no conflito como forma de poder.
E quem crê nisso não pode mais liderar um povo que quer viver em paz.

Dói ver brasileiros atrás das grades? Sim.
Mas dói mais ver o país fingindo que nada aconteceu.
Dói mais ver os que relativizam o crime.
Dói mais ver parlamentares e influenciadores zombando da Justiça como se ela fosse opcional.

Quem ama a liberdade precisa defendê-la — mesmo que isso signifique punir.

O que está sendo julgado, enfim, não são apenas atos.
É a própria ideia de civilização.
É a possibilidade de termos, no Brasil, um pacto que seja levado a sério.

Durante muito tempo, erramos.
Torturadores foram celebrados por governantes.
Golpistas receberam homenagens.
A mentira virou marketing.
A omissão virou moeda de troca.

Agora não.
Agora, pela primeira vez, o país parece disposto a dizer: chega.
Não haverá mais passe livre para destruir instituições.
Não haverá mais perdão automático para quem zombou da Constituição.

Não se trata de ferir, mas de curar.
Porque só há cura com verdade.
E a verdade, nesse caso, é dura.

A pena é pedagógica.
O castigo é um recado.
A sentença é um marco.

Estamos fundando, aqui, um novo Brasil.
Um Brasil onde o voto vale.
Onde a eleição é sagrada.
Onde a Justiça é exercida sem medo de parecer dura demais.

Cristo, no Evangelho, jamais disse que perdoar era o mesmo que ignorar.
Perdoar é possível. Mas não antes do arrependimento.
E não há arrependimento algum em quem continua propagando o caos.

Que esse julgamento nos doe.
Que nos constranja.
Que nos ensine.

Porque não existe país sério com memória fraca.
Não existe nação justa com justiça seletiva.
Não existe democracia forte com medo de se defender.

A maturidade da democracia está sendo testada.
E o Brasil, pela primeira vez, parece disposto a passar na prova.

Deus nos chama à misericórdia.
Mas Ele também nos chama à responsabilidade.

Fé não é cegueira.
Perdão não é impunidade.
Cristianismo não é conivência com o mal.

O 8 de janeiro foi um Gólgota laico.
Ali, tombou a ilusão de que tudo era permitido.
Ali, ruiu a ideia de que o Estado era fraco demais para reagir.

E o que renasce agora é uma república que, mesmo ferida, decide caminhar de pé.

Este julgamento é, sim, fundacional.
É o primeiro que diz: o Brasil não mais tolera a barbárie.
E se quisermos, de fato, construir um país decente, essa é a hora.

A hora de reconhecer a dor, sim.
Mas de não se deixar enganar por quem usa essa dor para atacar o próprio futuro.

A hora de punir, sim.
Mas de punir com coragem, clareza e fé na democracia.

A hora de fundar, enfim, o Brasil que nossos filhos merecem.
Um Brasil onde o Direito não seja retórica, mas prática.
Onde o cristianismo seja mais que discurso — seja compaixão verdadeira, que nasce da justiça.

Se formos capazes de sustentar esse momento — com firmeza e com fé — então poderemos, enfim, olhar para trás e dizer: ali começou o Brasil.
Ali começou o país possível.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores”.

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