Foto: Arte digital

Bolsonaro: 70 Anos de um “Aborto da Natureza”

O Brasil, país tropical, abençoado por Deus e, em certos momentos, sabotado pelo próprio povo, testemunha hoje o aniversário de 70 anos de Jair Messias Bolsonaro, aquele que, em sua própria definição, se considera “um aborto da natureza”. A frase, dita em tom de bravata autopiedosa durante uma live em que celebrou seu aniversário ao lado do filho Flávio Bolsonaro e de seu advogado Paulo Cunha Bueno, não poderia ser mais precisa — e, ao mesmo tempo, mais trágica.

Não é só um jogo de palavras mórbido. É a confissão viva de alguém que se nega à lógica da empatia, da democracia, da civilidade. Bolsonaro não envelheceu como estadista, tampouco amadureceu como ser humano. Envelheceu como envelhecem os canalhas: agarrado ao delírio, envenenado pela soberba, perseguido pelas consequências de seus atos, ainda idolatrado por uma parcela disfuncional da sociedade que o vê como mito, quando, na verdade, não passa de um embuste humano, político e ético.

O Brasil viu Jair Bolsonaro zombar da pandemia e dos corpos que se empilharam como estatísticas inconvenientes em sua escalada de desprezo à ciência. Viu o presidente da República flertar com o autoritarismo, sabotar o processo democrático, atacar a imprensa, destruir políticas ambientais e desmantelar as estruturas institucionais da República em nome de um projeto de poder personalista e vingativo.

Que ninguém se engane, ele jamais foi um conservador. Ele é o representante local do que há de mais perigoso no espectro político mundial: o neofascismo. A sua visão de mundo é binária e paranoica. Enxerga inimigos onde há diferenças, ameaça onde há diversidade, subversão onde há debate. E por isso, mais do que uma caricatura grotesca de um político desajustado, Bolsonaro representa o sintoma mais evidente de uma patologia social: o desejo de parte da população por um messias com licença para matar, mentir, humilhar, excluir.

Quando ele diz ser um “aborto da natureza”, não está apenas confessando sua inadequação para o convívio humano. Está também proclamando sua função política: ser o anti-humanista, o destruidor dos pactos civilizatórios, o protagonista de um Brasil distorcido, alucinado e armado. Ele é o espelho do ódio legitimado. A imagem invertida do que o país poderia ter sido.

Durante a live, Bolsonaro entrega o primeiro pedaço de bolo ao seu advogado, que o defende na denúncia por tentativa de golpe. O gesto simbólico escancara a teatralidade do poder que ainda acredita possuir. Bolo em forma de capacete, símbolo de uma guerra que nunca terminou em sua mente. Ao lado, os filhos, os cúmplices, que tentam se blindar com mandatos, licenças e falsos exílios. A família que transformou a política em um negócio, e o Estado, em trincheira para garantir impunidade.

É preciso dizer com todas as letras: Bolsonaro envelheceu sem jamais ter se tornado adulto. Em seus 70 anos, não há sabedoria acumulada, nem legado de construção. Apenas escombros — das instituições, da confiança internacional, da saúde pública, da Amazônia, da educação, da cultura. A cada novo aniversário, o Brasil é convidado a refletir não sobre a biografia do ex-presidente, mas sobre os estragos históricos que ele produziu.

Sua retórica golpista não desapareceu. Tampouco o seu desejo de revanche. E a cada novo processo, a cada nova denúncia, sua base radical reforça a narrativa de perseguição, alimentando a ideia falsa de que Bolsonaro é mártir de um sistema corrupto, quando ele próprio ajudou a corromper o que havia de funcional. O golpismo é a sua razão de existir. O caos é seu oxigênio. E a mentira, sua única verdade.

Tal como outros líderes sociopatas do século XX, Bolsonaro não liderou por mérito, mas por manipulação. Ascendeu no vácuo da desesperança, surfou na onda da antipolítica, capturou ressentimentos legítimos e os transformou em combustível para o autoritarismo. Tão destrutivo quanto Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália ou Franco na Espanha — embora menos sofisticado intelectualmente —, sua obra é de ruína. Seu discurso, uma fábrica de desinformação. Sua história, uma distorção moral.

A velhice dos canalhas não redime, não purifica, não transforma. Apenas os torna mais perigosos, porque agora se vitimizam, tentam parecer inofensivos, brincam de senilidade estratégica para fugir das responsabilidades. Bolsonaro sabe disso. E usa a vitimização como escudo para manter sua tropa coesa, em transe, em guerra contra o Estado Democrático de Direito.

É por isso que não se pode romantizar o envelhecimento de sociopatas. Não há lirismo no cinismo. Não há sabedoria no fanatismo. E não há justiça enquanto o Estado se curva a estratégias jurídicas protelatórias, enquanto as instituições hesitam em nome da “pacificação” nacional. O Brasil precisa punir o golpismo com o rigor que exige a democracia ferida.

Setenta anos depois, Bolsonaro reafirma o que sempre foi: um acidente histórico. Mas acidentes têm causas. E consequências. Ele não é um desvio aleatório da natureza, mas o produto direto de um país que flerta com o autoritarismo, que ignora a educação, que adora um salvador da pátria com retórica vulgar e desprezo pelos fatos.

É hora de interromper a farsa, de enterrar o mito, de encarar o espelho coletivo. O país que Bolsonaro diz representar não pode mais ser o Brasil que queremos construir. Que este aniversário, comemorado em meio a investigações, mentiras e afrontas, seja também o começo do seu fim definitivo na vida pública.

Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores”.

 

 

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