Foto: Câmara dos Deputados

Cassam quem denuncia. Protegem quem manda matar.

O Brasil vive um teatro cínico no coração do Parlamento. De um lado, Glauber Braga, deputado combativo, é perseguido e corre o risco real de cassação por ter reagido a provocações explícitas de um militante do MBL. Do outro, Chiquinho Brazão — preso como mandante do assassinato de Marielle Franco — segue com seu processo parado, estagnado no escaninho da hipocrisia, blindado por uma rede de conveniências que atravessa partidos, gabinetes e silêncios.

O Conselho de Ética, que deveria ser guardião da moral parlamentar, agiu com impressionante presteza ao votar, em sete horas de sessão tumultuada, pela cassação de Glauber Braga. Treze votos favoráveis, cinco contrários, e um recado claro: gritar contra o sistema custa caro. Glauber não é acusado de desvio de verba, de rachadinha, de conluio com milicianos. Foi denunciado por reagir fisicamente a um provocador profissional — Gabriel Costenaro —, num episódio que, embora reprovável, não se compara, em nenhum aspecto, às gravíssimas faltas que o mesmo Conselho se recusa a enfrentar com a mesma urgência.

Enquanto isso, o caso de Chiquinho Brazão permanece num limbo constrangedor. Já preso, denunciado formalmente como mandante do homicídio de uma parlamentar, seu processo de cassação não anda. Não vai ao Plenário. Não provoca greves de fome. Não mobiliza líderes partidários. O crime político mais grave desde a redemocratização do país parece não merecer a mesma pressa, nem o mesmo ímpeto punitivo. A pergunta que se impõe é simples e brutal: por que cassar Glauber é urgente, mas julgar Brazão pode esperar?

Luiza Erundina, símbolo da ética e da coerência em mais de meio século de vida pública, sentou-se ao lado de Glauber em sua greve de fome. Aos 90 anos, emprestou sua biografia à denúncia viva da injustiça. Seu gesto não é de apoio político — é um grito moral. Ela, que enfrentou a ditadura, o machismo e os abusos de todos os espectros ideológicos, sabe reconhecer quando a democracia está sendo ferida em seu nervo mais sensível: o direito de existir como oposição, o direito de resistir.

Se cassarem Glauber, não será por decoro. Será por ousadia. Por ter denunciado o orçamento secreto. Por ter apontado o dedo onde ninguém mais ousa. Por ter exposto os bastidores de uma política suja, em que a punição atinge quem fala alto, enquanto a proteção é garantida a quem manda calar — até com tiros.

O Plenário da Câmara será, mais uma vez, posto à prova. Não se trata apenas de um julgamento de mandato, mas de uma escolha histórica: ou se reafirma como espaço de pluralidade e justiça, ou se afunda de vez como palco da covardia institucional.

Porque a mensagem que se desenha neste momento é devastadora: quem denuncia é cassado; quem manda matar segue blindado. E a democracia brasileira não suportará por muito mais tempo conviver com essa inversão brutal de valores.

Glauber pode ser derrotado no voto. Mas, na consciência histórica, quem perderá será a Câmara dos Deputados. A mesma que cala diante do assassinato político mais brutal da nossa história recente e corre para silenciar um dos poucos que ainda têm coragem de falar em nome do povo — e não dos conchavos.

Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.

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