O Equador está diante de uma escolha que definirá sua alma política por uma geração. Esta eleição, ao contrário das anteriores, não é apenas a definição de um governo: é a disputa simbólica entre dois modelos inconciliáveis de Nação. E, como nos grandes momentos da história latino-americana, o povo está no centro desse embate. Não um povo abstrato, mas os corpos vivos de mulheres indígenas, trabalhadores precarizados, mães sozinhas, jovens sem horizonte — todos empurrados à margem pela brutalidade de uma política que transforma o Estado em ameaça e não em abrigo.
Daniel Noboa, jovem herdeiro de um império bananeiro, fez de sua breve presidência um ensaio de tecnocracia autoritária. Cercado por militares, sustentado por setores do empresariado e por consultorias norte-americanas, surfou a retórica do combate ao crime como justificativa para militarizar escolas, prender sem investigação e calar movimentos sociais. Seu discurso é o mesmo que ouvimos em tantos ciclos de regressão democrática: ordem, mercado, inimigo interno. Foi assim no Chile de Pinochet, na Colômbia de Uribe, no Brasil sob o bolsonarismo. Noboa não inova, apenas reproduz.
Luisa González, por sua vez, é uma promessa de renovo e esperança. Ela não surgiu por acaso: é fruto da necessidade histórica de uma maioria silenciada. Sua candidatura é o retorno do campo popular ao centro da disputa, após anos de criminalização do correísmo, do exílio forçado de Rafael Correa, e da perseguição jurídica que se tornou comum contra líderes de esquerda em toda a América Latina. Se vence, Luisa não derrotará apenas Noboa. Derrotará a narrativa que quis reduzir a política à gestão financeira e a democracia ao mercado.
Luisa compreendeu algo essencial: o povo não deseja apenas segurança. Deseja sentido. E sentido se constrói com dignidade. Suas propostas são claras: investir em educação pública, revalorizar o sistema de saúde, apoiar mães solo, dialogar com os povos originários. Ela representa um pacto com os setores populares que foram esquecidos pelo neoliberalismo. E, diferentemente de seus adversários, não propõe um Estado mínimo, mas um Estado necessário.
É curioso — e revelador — que Noboa tenha buscado em Donald Trump um espelho. O encontro em Mar-a-Lago é o retrato de uma aliança entre projetos autoritários e antinacionais, todos afinados em um mesmo coro: menos direitos, menos Estado, mais mercado, mais repressão. Luisa, ao contrário, recorreu à memória viva do Equador que ousou sonhar: aquele dos anos de soberania regional, de integração sul-americana, de políticas públicas estruturantes.
Não se trata aqui de idealizar. Luisa González terá desafios monumentais se eleita. O país enfrenta uma crise de segurança sem precedentes, com taxas de homicídio que rivalizam com zonas de guerra. A economia encolhe, o desemprego cresce, a energia falta. Mas há algo ainda mais grave: o desencanto. E é aí que Luisa se torna essencial. Ela é, talvez, a única entre os candidatos capaz de reencantar o projeto democrático, devolvendo às instituições sua razão de existir: servir o povo.
Hoje, o Equador pode eleger sua primeira mulher presidente. Além do marco simbólico, essa eleição pode significar o retorno da política à sua função original: organizar o coletivo com justiça. Que os equatorianos compreendam a magnitude do que está em jogo. Que escolham não o medo, mas a esperança com responsabilidade. Que votem com a memória dos que resistiram e com o olhar dos que ainda virão.
Fabrício Correia é escritor, crítico de cinema, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE e a Academia Brasileira de Cinema. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores” e o portal de entretenimento “Viva Noite”. Apresenta o programa “Vale Night” na TH+ SBT.