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França em Crise: Análise das eleições legislativas e seu impacto no Governo Macron

As eleições legislativas de 2024 na França revelam um cenário político fragmentado e inquietante. O primeiro turno das eleições, realizado hoje, evidenciou um significativo descontentamento com o status quo. O partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, segundo projeções, obteve aproximadamente 34% dos votos. A coalizão de esquerda, Nova Frente Popular (NFP), composta por socialistas, comunistas e ecologistas, conquistou mais de 29% dos votos. Em contraste, a aliança governista de Emmanuel Macron, que anteriormente dominava o cenário político, ficou em terceiro lugar com cerca de 21% dos votos.

Historicamente, a França tem sido um bastião de políticas progressistas e inclusivas, impulsionadas pelos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. No entanto, o recente avanço da extrema-direita reflete profundas divisões sociais. O RN, anteriormente conhecido como Frente Nacional, foi fundado por Jean-Marie Le Pen, cuja retórica extremista e xenófoba ainda permeia a base do partido, apesar dos esforços de Marine Le Pen para moderar sua imagem. Este avanço pode colocar em risco décadas de progresso em direitos humanos e integração social, desafiando as políticas inclusivas que a França tem promovido historicamente.

A coalizão de esquerda, liderada pela Nova Frente Popular, representa uma resposta ao descontentamento com as políticas neoliberais e de austeridade que têm prevalecido na Europa. A NFP propõe reformas radicais, como a criação de uma Sexta República, aumento do salário mínimo e maiores investimentos em serviços públicos. Estas propostas refletem a frustração de uma população que sente que as políticas atuais não têm proporcionado a prosperidade e a justiça social prometidas.

O presidente Emmanuel Macron, cuja popularidade já vinha declinando, enfrenta agora um desafio monumental. Sua abordagem centrista, que tentou equilibrar reformas econômicas liberais com valores sociais progressistas, não conseguiu satisfazer completamente nenhuma das principais forças políticas. A convocação de eleições antecipadas após a derrota nas eleições europeias foi uma estratégia arriscada que não trouxe os resultados esperados. Com sua coligação significativamente enfraquecida, Macron terá que navegar um parlamento fragmentado e potencialmente hostil, onde a formação de alianças e compromissos será essencial para evitar a paralisia política.

O cenário político atual na França não pode ser analisado isoladamente do contexto global de incerteza e instabilidade. Como uma potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a França desempenha um papel crucial na política internacional. A ascensão da extrema-direita na França pode ter repercussões significativas na União Europeia, especialmente em questões de imigração, direitos humanos e integração europeia. Além disso, pode inspirar movimentos semelhantes em outros países europeus, contribuindo para um clima de crescente polarização e nacionalismo.

O governo de Macron, desde seu início, foi marcado por um espírito reformista. Ele buscou modernizar a economia francesa através de reformas laborais, redução de impostos corporativos e cortes nos gastos públicos. Essas medidas, embora visassem aumentar a competitividade e atrair investimentos, encontraram resistência significativa de sindicatos e grupos de esquerda. As reformas, percebidas como favoráveis às elites e prejudiciais aos trabalhadores comuns, desencadearam uma série de protestos, incluindo os famosos movimentos dos “coletes amarelos”.

A administração Macron também enfrentou desafios em termos de segurança interna, especialmente em relação a ataques terroristas e questões de ordem pública. O governo adotou uma postura firme contra o terrorismo, reforçando as medidas de segurança e aumentando os poderes da polícia. No entanto, estas ações foram criticadas por organizações de direitos humanos que argumentaram que tais medidas poderiam comprometer as liberdades civis.

Em termos de política externa, Macron tentou posicionar a França como um líder europeu e global. Ele defendeu a integração europeia mais profunda e assumiu um papel ativo em questões internacionais, incluindo o combate às mudanças climáticas e a mediação de conflitos globais. A postura pró-europeia de Macron foi, no entanto, um ponto de controvérsia interna, com segmentos significativos da população francesa mostrando ceticismo em relação à União Europeia.

Com a perda da maioria absoluta no parlamento, Macron agora enfrenta o desafio de governar sem o controle firme que teve durante seu primeiro mandato. Isso pode levar a uma maior instabilidade política, com a necessidade constante de negociar com outras forças políticas para aprovar qualquer legislação. A extrema-direita, com seu resultado histórico, e a esquerda radical, com um desempenho robusto, são agora forças políticas significativas que Macron terá que considerar seriamente em sua estratégia de governança.

O segundo turno das eleições, previsto para 7 de julho, será decisivo não apenas para determinar a composição final da Assembleia Nacional, mas também para definir o rumo político da França nos próximos anos. A habilidade de Macron em formar coalizões eficazes e governar em um ambiente político fragmentado será crucial para a estabilidade e o futuro do país.

As relações entre França e Brasil podem ser impactadas por essas mudanças políticas. A ascensão da extrema-direita na França pode levar a uma postura mais rígida em questões de imigração e direitos humanos, o que pode criar tensões com o Brasil, especialmente considerando a presença de uma significativa comunidade brasileira na França. Além disso, qualquer mudança na política comercial ou ambiental da França pode afetar as relações econômicas e diplomáticas entre os dois países. O governo brasileiro, por sua vez, terá que adaptar sua diplomacia para lidar com um panorama político francês mais complexo e potencialmente instável.

Com a visita de Emmanuel Macron ao Brasil em março de 2024, houve uma significativa reaproximação entre os dois países, após um período de distanciamento durante o governo de Jair Bolsonaro. Sob a gestão de Lula, a dinâmica diplomática entre Brasil e França foi revigorada, culminando na assinatura de 21 acordos diplomáticos abrangendo temas como proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. Esses acordos refletem uma cooperação renovada e um compromisso mútuo em enfrentar desafios globais, como mudanças climáticas e desenvolvimento econômico sustentável.

A situação política na França é complexa e desafiadora, tanto internamente quanto em suas relações internacionais. O futuro da França, e possivelmente da Europa, dependerá de como esta situação evoluirá e de como Macron e outras lideranças políticas irão responder aos desafios que se apresentam.

Fabrício Correia, CEO da “Kocmoc New Future”, responsável pela agência de notícias “Conversa de Bastidores”. É historiador, geógrafo e professor universitário especialista em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão.

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