O mundo acordou neste domingo olhando para Roma. Não porque houvesse fumaça branca no ar, o conclave já ficou para trás, mas porque um homem, de batina alvíssima e olhar sereno, soprava setenta velinhas invisíveis diante de milhares de fiéis na Praça de São Pedro. Leão XIV, o papa vindo de Chicago, celebrou o próprio aniversário em cena aberta, cercado por aplausos, cartazes improvisados e um sol italiano que parecia cúmplice da ocasião.
Em tempos de guerras transmitidas ao vivo, crises humanitárias na África e discursos políticos cada vez mais rasgados, a imagem de um pontífice sorrindo para a multidão, dizendo quase como quem confidencia: “Queridos, parece que vocês sabem que hoje eu completo 70 anos”, soa como um respiro. Uma informalidade americana, de onde ele veio, misturada ao peso romano do cargo que agora ocupa.
Leão XIV chegou ao papado em maio, discreto, quase de mansinho, como se fosse apenas mais um cardeal de gabinete. Mas o destino não tem paciência com modestos: bastaram poucos meses e o mundo já o viu se pronunciar contra a tragédia do Sudão, lamentar Gaza, apontar o dedo para a cultura armamentista dos Estados Unidos. Se não é um revolucionário de megafone, é ao menos um moderado que sabe escolher o momento certo de falar e, no Vaticano, isso já é quase sinônimo de ousadia.
Setenta anos. Para qualquer mortal, idade de aposentadoria. Para um papa, é a juventude tardia, um meio de campo. João Paulo II passou dos oitenta no trono. Francisco atravessou a mesma marca com a saúde testada a toda prova. Leão XIV, por contraste, parece começar agora. O discreto funcionário da cúria transformou-se, da noite para o dia, em personagem planetário, com direito a aplausos espontâneos e mensagens protocolares de todos os presidentes, inclusive Trump.
E é nesse contraste que se desenha o charme de Leão XIV. Ele não é apenas o sucessor de Francisco, mas um sinal de continuidade em um mundo que parece ter desaprendido a palavra “continuidade”. O pontífice é reservado, sim, mas com faro para a frase certa no instante exato. E quando pediu aos fiéis que rezassem por ele, estava também devolvendo ao mundo a lembrança de que fé, antes de ser dogma, é comunidade.
No fim, o milagre do aniversário nunca é soprar velas, mas a compreender a combustão, às vezes lenta, de uma fé que insiste em sobreviver aos séculos. Leão XIV, de branco impecável, mãos erguidas, deixou a Praça de São Pedro com o ar de quem não só completou setenta anos, mas de quem acaba de começar a escrever a sua própria história.
Fabrício Correia é escritor, jornalista e professor universitário. Historiador, dedica-se ao estudo das religiões e a filosofia. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias “Conversa de Bastidores”.