Foto: Acervo pessoal

Paulo Frateschi: o amor resiste ao luto

Alguns acontecimentos não pedem manchetes, sussurram clamor por humanidade. A morte de meu querido amigo Paulo Frateschi jamais deveria ser resumido a um crime em seis palavras duras. É um drama humano, profundo e irreparável, que expôs a falência de nossa empatia coletiva. É também o diagnóstico de um país que ainda não aprendeu a lidar com a dor psíquica, nem a reconhecer que, por trás de cada ato extremo, existe um grito de sofrimento que ninguém soube ouvir.

Francisco Frateschi, o filho, vive uma condição que o afastou da realidade e o lançou na sombra das doenças mentais. Sua irmã, Yara, ao se colocar diante do corpo do pai para dizer “meu irmão não é um monstro”, nos deu uma das mais belas e dolorosas lições de amor que o Brasil já testemunhou em público. Ela não falava só por sua família em sofrimento extremo. Falava por todas as famílias que enfrentam o invisível tormento da saúde mental, aquelas que veem a pessoa amada se desfazer por dentro enquanto o mundo observa de longe, com indiferença ou preconceito.

A tragédia dos Frateschi é também a tragédia de um país que não aprendeu a acolher. A imprensa, apressada, preferiu a frase fácil “Filho mata pai”, e com isso cometeu o segundo crime: o da desumanização. A manchete que deveria informar acabou por ferir, como uma segunda punhalada. Não há neutralidade possível quando o texto nega a complexidade e o sofrimento dos que ficaram. O jornalismo não pode ser um registro frio de horrores. Ele deve ser uma janela para a compreensão, um exercício de alteridade.

A saúde mental ainda é tratada como nota de rodapé, quando deveria ocupar o centro das discussões públicas. A cada dia, milhares de famílias enfrentam o desamparo e a solidão diante de surtos, recaídas e crises, sem estrutura de cuidado, sem amparo emocional, sem políticas eficazes. A tragédia de Francisco é o retrato disso: de um sistema que não sustenta, em uma sociedade que julga cada vez mais e de uma imprensa que rotula o tempo todo sem apurar pela febre por engajamento.

É preciso dizer com clareza: Francisco não é o crime. Ele é o retrato de uma doença cada vez mais presente entre nós. É o reflexo de um Estado que ainda não entendeu que saúde mental é saúde, e que cada pessoa sem a assistência necessária (no caso de Francisco ele era cuidado, e mesmo assim a tragédia adentrou o seio da família) é uma bomba-relógio de dor prestes a explodir em silêncio.

Paulo Frateschi, homem público irrepreensível, merece nosso aplauso. Yara, ao tentar resgatar a dignidade da família diante de um tribunal de manchetes, precisa de nosso abraço. E nós, como sociedade, pagamos o preço de nossa incapacidade de enxergar o outro sem o filtro do escândalo. É hora de nos colocarmos ao lado da família Frateschi e, por extensão, de todas as famílias que convivem com a dor mental, lembrando que amar alguém adoecido é uma das formas mais corajosas de amor.

Que a imprensa, ao narrar o inenarrável, lembre-se de que o seu papel não é dar veredictos, mas devolver humanidade e compreenda o poder e o perigo das palavras nesse tempo de redes sociais.

O jornalismo que sobrevive será aquele capaz de olhar a dor e dizer: eu entendo. A notícia que permanece no vazio dos algoritmos é aquela que cura.

Fabrício Correia é jornalista, escritor e professor universitário. Profissional de saúde integrativa com especialização em Musicoterapia e Vibroacústica pela UNISE/PR.

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