A brasileira Pureza Lopes Loyola, de 80 anos, recebeu nesta quinta-feira (15), em Washington, o prêmio Heróis no Combate ao Tráfico (Trafficking in Person Report TIP Heroes Award) de 2023, por contribuir na luta contra o trabalho análogo à escravidão e o tráfico de pessoas.
A premiação foi entregue pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. Após a cerimônia de premiação, Blinken agradeceu, em uma rede social, o trabalho dos oito homenageados.
“[Entreguei] o prêmio TIP Report Hero 2023 a oito indivíduos que exemplificam esforços excepcionais para o fim do tráfico humano. Obrigado por sua coragem e comprometimento com este trabalho”, escreveu.
Todos os anos, o Departamento de Estado norte-americano homenageia indivíduos de todo o mundo dedicados à causa. São cidadãos preocupados com o tema, trabalhadores de organizações não governamentais (ONG), legisladores, funcionários de governos e sobreviventes do tráfico humano.
Em 2023, além trabalhadora rural Pureza Lopes Loyola, os demais agraciados foram: Mech Dara (Camboja), Iman Ali Abdulabbas Al-Sailawi e Basim Al-Amri (Iraque), Zaheer Ahmed (Paquistão), Paola Hittscher (Peru), Eumelis Moya Goitte (Venezuela), R. Evon Benson-Idahosa (Nigéria).
No site da premiação, a brasileira é descrita como ativista respeitada por denunciar, documentar minuciosamente a exploração e o trabalho análogo à escravidão e, ainda, estimular um movimento nacional e a mudança crítica na compreensão do público sobre o trabalho forçado no Brasil.
Esta é a primeira vez que uma mulher brasileira recebe a honraria.
História de luta
Pureza Loyola é de Bacabal (MA). Sem notícias, desde 1993, do penúltimo dos cinco filhos, Antônio Abel Lopes Loyola, ela tentou encontrá-lo por três anos em garimpos de ouro, carvoarias e diversas fazendas. Nessa busca, a brasileira descobriu um sistema generalizado de trabalho forçado para derrubar grandes extensões da Floresta Amazônica com o objetivo de converter essas áreas em pasto para o gado. Ao desafiar os perigos para encontrar seu filho, Pureza se tornou símbolo do combate ao trabalho análogo à escravidão.
No vídeo postado pelo Departamento de Estado dos EUA, Pureza conta a história dela. “[Sou] mãe de cinco filhos e o quarto foi escravizado. Então, botei minha bolsinha nas costas e fui procurar meu filho. Entrei em todos os lugares e vi a situação de cada trabalhador: chorando, se mal dizendo, doentes.”
“Nosso país é o mais rico do mundo, doutor! Não tem dessas necessidades! Eles têm que levar os homens, trabalhar e pagar”, indigna-se Pureza.
Em suas andanças, ela testemunhou e ouviu relatos dos trabalhadores ameaçados pela escravidão moderna no Brasil. Ela confirmou que empregadores confiscavam irregularmente os documentos de identidade dos trabalhadores, controlavam e os mantinham em dívidas. Muitos trabalhadores ainda sofreram atos de crueldade. Há relatos de que alguns homens foram mortos ao resistir ou tentarem sair dessas situações.
Com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma organização da Igreja Católica que denuncia e combate injustiças no campo, Pureza Loyola tentou denunciar as práticas de exploração do trabalho forçado. Ela afirma ter procurado autoridades em Brasília para denunciar as condições que tinha visto, em primeira mão.
A maranhense diz que escreveu cartas para três ex-presidentes brasileiros: Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Como os testemunhos não surtiram efeito, sob a alegação de falta de evidências, segundo ela, Pureza Loyola voltou às fazendas com câmera e gravador de áudio para documentar a exploração de mão de obra.
Somente após arriscar a própria vida, a mãe conseguiu libertar vivo o filho desaparecido, Antônio Abel, vítima do tráfico humano e obrigado ao trabalho análogo ao da escravidão, em uma fazenda no sul do Pará. Ele estava doente, com malária.
Grupo Móvel de Fiscalização
A luta de Pureza motivou o governo do Brasil a criar o Grupo Móvel de Fiscalização (GEFM), em 1995, que combate a prática ilegal no país. As operações do grupo são coordenadas pela Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e contam com representantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal (PRF), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF).
De acordo com o MTE, nos 28 anos de atuação do grupo GEFM, mais de 61 mil trabalhadores foram resgatados da condição em trabalho análogo à escravidão, em atividades diversas.
O MTE afirma ainda que as operações de fiscalização em 6.746 estabelecimentos, em áreas urbanas e rurais, possibilitaram o pagamento de R$ 139 milhões, em indenizações aos trabalhadores resgatados a título de verbas salariais e rescisórias, como forma de restituir os direitos trabalhistas violados. Os empregadores delituosos são julgados nas esferas administrativa, trabalhista e criminal.
O ministério divulgou que, somente no período de janeiro a 1º de maio de 2023, foram resgatados 1.201 trabalhadores de condições análogas à escravidão. Desde o início do ano, foram realizadas 97 ações fiscais de combate ao trabalho degradante pelo MTE, que resultaram em R$ 4,99 milhões em verbas salarias e rescisórias pagas aos trabalhadores resgatados.
Filme
A saga da maranhense Pureza Lopes Loyola para encontrar o filho Abel, em situação de trabalho análogo à escravidão, foi contada no filme nacional dirigido pelo cineasta Renato Barbieri.
Pureza. O Amor Destemido de uma Mãe contra o Trabalho Escravo foi lançado em maio de 2022.
A obra já foi exibida em 35 festivais nacionais e internacionais, de 18 países, e conquistou, até o momento, 28 prêmios.
A atriz que interpreta a heroína nas telas de cinema, Dira Paes, se diz orgulhosa e parabenizou a mulher que inspirou o filme pelo Twitter. “Mais que merecido, é um reconhecimento urgente para Pureza Lopes Loyola, que recebeu ontem o TIP Report Heroes Award 2023 pelo departamento de Estado dos EUA), em Washington, por sua contribuição na luta contra a escravidão e o tráfico de pessoas”.
Denúncias
As denúncias sobre qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão e tráfico de pessoas de pessoas podem ser feitas, de forma anônima, no Disque 100, coordenado pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). O serviço é gratuito e funciona setes dias por semanas, 24 horas por dia. Basta telefonar para o número 100.
Outra via é o Sistema Ipê, criado em 2020, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo MTE. A plataforma digital é exclusiva para receber denúncias de trabalho análogo ao de escravo e sobre a intermediação de mão-de-obra ilegal por agenciadores conhecidos como gatos.
O Sistema Ipê tem versões em inglês, espanhol e francês para melhor atender aos trabalhadores migrantes de outras nacionalidades.
Qualquer pessoa pode registrar as denúncias de maneira anônima e segura, no Sistema Ipê. Se possível, o denunciante deve prestar o máximo de informações para aumentar as chances de os casos se desdobrarem em operações de fiscalização. São informações consideradas importantes o nome do estabelecimento, local, a quantidade de trabalhadores, os tipos de violações de direitos encontradas, entre outras.
Reportagem: Daniela Almeida
Edição: Juliana Andrade