Aos 72 anos, Luiz Inácio Lula da Silva atravessou os portões da Polícia Federal em Curitiba sem algemas, mas com o peso de um país dividido sobre os ombros — e com os olhos voltados para a História. Não implorou, não se vitimizou. Encarou a prisão como um campo de resistência, não como espetáculo. Soube que sua passagem por aquela cela contaminada de política seria registrada não apenas em inquéritos, mas nos livros de História. A injustiça reconhecida anos depois pelo Supremo Tribunal Federal já não serviu de consolo — mas de confirmação: ele havia enfrentado o vendaval com os pés fincados na terra de onde veio.
Agora, quando Jair Bolsonaro declara em entrevista à Folha de S.Paulo que uma eventual prisão aos 70 anos seria “o fim da sua vida”, o contraste se impõe. Dois presidentes, duas idades similares, dois futuros em rota de colisão com a Justiça — mas reações opostas. Lula suportou 580 dias preso. Bolsonaro desaba apenas com a sombra de uma cela. Enquanto o primeiro enfrentou a perda da liberdade como um episódio de luta, o segundo já sinaliza derrota antes mesmo do embate.
A diferença é estrutural. Lula viu sua prisão como uma etapa dolorosa — porém necessária — de um confronto maior. Saiu dela com a mesma fé que entrou, ainda cercado por aliados, por multidões, e com a biografia relida à luz da perseguição judicial. Reergueu-se. Foi eleito novamente. Já Bolsonaro não se sustenta longe do próprio eco. Sem a moldura do mito, teme ruir. Sua declaração não é sobre justiça, mas sobre colapso interno. Para ele, não se trata do país, mas do pânico de se ver reduzido à dimensão que sempre rejeitou: a de homem comum.
A prisão de Lula expôs as fraturas do sistema judicial brasileiro. Já o temor de Bolsonaro antecipa as rachaduras do seu próprio caráter. Não se vê força moral em sua súplica, mas fragilidade. Um líder que teme responder à lei com a mesma firmeza com que desafiou instituições em rede nacional não é um perseguido: é um desertor das próprias consequências.
Lula, mesmo preso, jamais deixou de ser uma figura de gravidade política. Bolsonaro, ainda livre, tenta sobreviver com frases de efeito. Um enfrentou a ausência. O outro teme o silêncio. Porque, no silêncio de uma cela, não há cercadinho, não há plateia — só a consciência. E ela, quando não foi cultivada ao longo da vida, costuma ser insuportável.
Ambos envelhecidos. Ambos populares. Mas um transformou a punição em passagem, e o outro já vislumbra no castigo a própria extinção. Lula foi ao cárcere como quem atravessa um deserto com os pés em brasa, mas os olhos firmes no horizonte. Bolsonaro, diante da mesma estrada, já clama por sombra.
A História não absolve por compaixão, nem condena por birra. Ela observa, pesa, e eterniza. E nela, a diferença entre quem resiste e quem desaba nunca é esquecida. Lula atravessou a noite. Bolsonaro teme o anoitecer. E isso diz tudo.
Fabrício Correia é escritor, jornalista, historiador e professor universitário. Presidiu a Academia Joseense de Letras e integra a União Brasileira de Escritores – UBE. É CEO da Kocmoc New Future, responsável pela agência de notícias, “Conversa de Bastidores”.