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Silêncio, justiça e autoridade

Há algo mais revelador do que o modo como se reage à Justiça? Diante da recente decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), que cassou o mandato do deputado estadual Ortiz Junior por infidelidade partidária, assistimos a dois movimentos distintos e absolutamente simbólicos: o da suplente Damaris Moura, que aguarda com sobriedade a convocação institucional que lhe cabe por direito; e o do deputado cassado, que, em redes sociais, transforma sua defesa em performance.

De um lado, o silêncio que honra a democracia. Damaris Moura — jurista, ex-deputada, mulher pública de trajetória ética e coerente — manteve-se firme, sem espetáculo. Não houve notas inflamadas, não houve indignação pública, nem tentativa de comover a opinião. Sua postura foi a da confiança na legalidade, no devido processo legal e, sobretudo, no tempo da justiça. Não por fraqueza — mas por força. Quem tem a verdade e o direito a seu favor não precisa forjar trincheiras.

De outro lado, assiste-se à encenação da certeza. Ortiz Junior, que perdeu o mandato por decisão colegiada do TRE — quatro votos a três — acusa os adversários de agir no “tapetão”, clama perseguição e fala de uma “casca dura” que resistirá ao ataque dos inimigos. Em vez de reconhecer que sua ida e volta ao PSDB violaram as regras partidárias — conforme reconheceu a própria executiva nacional — prefere apresentar-se como mártir de um sistema que apenas cumpre a lei.

A diferença entre ambos é gritante. Ela espera o chamado institucional com serenidade; ele ocupa as redes com autoafirmações políticas e espirituais. Ela representa o retorno discreto de uma liderança comprometida com causas maiores que si mesma; ele insiste em ser o centro de um enredo onde a justiça é inimiga e não árbitra. Damaris não precisa gritar, porque tem o respaldo da verdade jurídica. Ortiz grita, porque lhe falta esse respaldo.

O caso é emblemático porque evidencia o que muitas vezes separa o político de ocasião do verdadeiro servidor público. A fidelidade partidária, motivo central da cassação, não é um detalhe técnico. É o alicerce da representatividade. Quando se trai esse vínculo por conveniência, o mandato perde legitimidade. E quando se tenta manipulá-lo por estruturas internas ou familiares, como apontou a ação, perde-se ainda mais: perde-se a ética da confiança pública.

Damaris, ao lado do PSDB, não pediu o cargo — apenas apontou a ruptura com as regras. Ortiz, ao contrário, tenta permanecer à força, apelando para o julgamento das redes e dos seguidores. Mas a política brasileira já viu esse filme. A defesa da legalidade sempre prevalece — cedo ou tarde.

Em meio ao ruído e às narrativas, a democracia agradece o exemplo de quem cala para não contaminar o processo, de quem crê na Justiça não por conveniência, mas por princípio. Damaris Moura representa esse tipo raro de política: firme, honesta, e silenciosamente forte.

E talvez seja isso que mais incomoda: a elegância da certeza legítima sempre desmascara o desespero de quem encena tê-la.

Fabrício Correia é historiador, escritor, jornalista e professor universitário.

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